CARTAS DE AMOR

“É sempre sobre o hoje, mas um hoje com consciência histórica.”

Três Tristes Tigres, sobre Arca

O quinto álbum de originais de Três Tristes Tigres é feito de cartas de amor ao mundo. Entre semelhanças e diferenças a consciência de que tudo está inscrito em cada um e de que o todo é parte do pormenor. Arca reúne canções sobre migrações e turbulências animadas pelo desejo de contágios amorosos.  

A poesia de Regina Guimarães volta a encontrar a música de Ana Deus e Alexandre Soares num novo disco que tem apresentação na Culturgest. Neste microsite entramos em Arca pelas palavras de quem acompanha os Tigres desde sempre. 

Casa Forte #37 | Ana Deus | 2025
Vídeo: Carolina Ribeiro

Um olhar sobre Arca

Por Fernando Nogueira (admirador de Três Tristes Tigres)
Os Três Tristes Tigres marcam pela sua intemporalidade, independentes de todas as sonoridades que possam estar a agitar o éter de cada vez que mostram as garras e lançam música nova. As canções surgem quase como que para preencher algum espaço musical que precisava mesmo de ser preenchido em português. Isto aconteceu sempre que cada álbum foi lançado, desde Partes Sensíveis até Arca, surgindo como verdadeiras radiografias emocionais do núcleo do grupo — Ana Deus, Alexandre Soares e a Regina Guimarães — sobre uma realidade próxima, perfeitamente integrada ao seu universo. Graças à adaptabilidade, à inovação e à constante renovação, as canções dos Três Tristes Tigres mantêm-se sempre claras e atuais, independentemente da década em que foram criadas ou lançadas.
Este ano de 2025 chegou a vez da Arca libertar o ponto criativo a que os Três Tristes Tigres chegaram no passado recente, para definir o seu melhor presente e ajudar a encarar o futuro.

As palavras de Regina Guimarães oferecem percursos para enfrentar situações difíceis, que, quando envoltas na música — na voz e nos instrumentos de todos os músicos —, se tornam poeticamente apaziguadoras, soando como um verdadeiro bálsamo.

Além disso, cada interpretação mantém uma potencialidade única, que pode ser extraída sem qualquer imposição externa. Apenas pela voz, Ana Deus consegue sempre perfeitamente e em qualquer momento, gravado ou ao vivo, chicotear docemente ou sussurrar com agressividade – as possibilidades são sempre infinitas. Tal como no caso das texturas tecidas nas guitarras, sintetizadores e percussão por Alexandre Soares, em que nada fica entregue ao acaso, embora as evidências demonstrem que toda a sua arte cresce e se amplifica no domínio do improviso. Sem nunca perder pé.
Em palco, as canções dos Três Tristes Tigres fundem-se graciosamente, sem nunca se confundirem. O fio condutor cronológico não é essencial, apesar de não se perder, ao apreciar-se de forma absoluta qualquer das canções do já bastante vasto repertório. Há uma envolvente componente visual, que proporciona também outros olhares sobre todas as composições musicais que vão sendo criadas ao vivo, em direto e em muitas cores.
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De qualquer forma e em qualquer forma, o que conta é o presente e, assim, ninguém fica indiferente ao ouvir Três Tristes Tigres, independentemente da sua interpretação possível, a Animália ou a Exodus, que foram os primeiros singles extraídos da Arca, aos quais se seguiu Água. Contudo, Ninguém É Uma Ilha, Terra Prometida, Guerra, Rota da Sede ou Universalidade, servem igualmente para mostrar e situar os Três Tristes Tigres neste ponto do Século XXI.

Todas as canções são perfeitos cartões de visita do universo atual dos Três Tristes Tigres, já a anos-luz de distância de O Mundo A Meus Pés, a brilhante canção já clássica, que nunca falha a apresentá-los também. Por outro lado, o tempo pode ser flexível, dilatando-se e contraindo-se conforme quem o usa e o ouve. Também com esta nova Arca, os Três Tristes Tigres dão-nos a sua percepção sobre muito do estado do mundo aos nossos pés. Talvez ajudasse ouvi-la e absorvê-la, quem sabe.

- Resume
Capa <em>Arca</em>. Colagem anal&oacute;gica de Hilda Reis / Design gr&aacute;fico de Catarina CoelhoCapa <em>Arca</em>. Colagem anal&oacute;gica de Hilda Reis / Design gr&aacute;fico de Catarina Coelho
Capa Arca. Colagem analógica de Hilda Reis / Design gráfico de Catarina Coelho
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© Cristina Pinto.

Três Tristes Tigres

Os Três Tristes Tigres (TTT) nasceram nos idos de 1990, à volta de um gravador de cassetes rasca. Ana Deus vinda dos BAN e Regina Guimarães fabricavam informalmente colagens e canções. Antes da formação que dará origem ao primeiro disco. Os primeiros concertos, no bar Aniki-Bobó (Ana Deus e Paula Sousa ao vivo, Regina Guimarães ao morto) assemelhavam-se a um cabaret pop, entre o poético e o corrosivo. Partes Sensíveis, de 1993, será o rasto da primeira configuração dos TTT. 

Aprofunda-se então a colaboração entre Ana Deus e Alexandre Soares, um ex-GNR que entretanto se juntara à banda como músico convidado. Com a alteração do som dessa aventura artística nascerão dois discos de originais – Guia Espiritual (1996) e Comum (1998) – e uma compilação, Visita de Estudo (2001), que contém revisitações, algumas distanciadas, de composições anteriores. Além das digressões ligadas à divulgação dos discos, o pequeno planeta TTT produziu objectos de formatos variados, nomeadamente o concerto «Ferida Consentida» (1999, em torno do livro «Um beijo dado mais tarde» de Maria Gabriela Llansol), canções para filmes de Saguenail e de João Canijo. 

O grupo reúne-se novamente em 2017 a convite do Teatro Rivoli, no Porto, para tocar o álbum Guia Espiritual - que, em 1996, juntamente com o prémio “Melhor grupo nacional” para os TTT foi considerado “Disco do ano” nos prémios, do então Jornal, Blitz. E, em 2020, os TTT regressam aos discos com o aclamado Mínima Luz.  O lançamento do novo disco Arca está agendado para 2025. 

Ana Deus e Alexandre Soares mantêm também até hoje, uma relação de trabalho com projectos ligados ao Cinema Teatro e Dança, e no colectivo Osso Vaidoso com 2 álbuns editados em 2011 e fim de 2016, com uma forte componente ligada à poesia e a instrumentação minimal, no essencial baseada em trabalho de guitarra e electrónica. 

FICHA TÉCNICA

TEXTO
Fernando Nogueira

EDIÇÃO
Carolina Luz

REVISÃO DE CONTEÚDOS
Catarina Medina

DESIGN E WEBSITE
Studio Macedo Cannatà & Queo