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UMA COLECÇÃO É UMA TEIA DE EMOÇÕES E MEMÓRIAS (2009)
por Delfim Sardo

Quando me foi pedida uma selecção de obras para um livro sobre a Colecção da Caixa Geral de Depósitos recordei-me do momento em que Fernando Calhau (1948-2002), artista plástico com um singular percurso no contexto português, iniciou a relação de consultoria que viria a desenhar um plano de aquisições que, derradeiramente, fez saltar a Colecção da Caixa Geral de Depósitos para um patamar de exigência que estabeleceu um parâmetro museológico. A memória desse momento surgiu porque, a partir da estratégia definida pela Caixa, o espólio que vinha a ser constituído desde 1983 passava a ser parte de uma estratégia concertada e com objectivos definidos no sentido de constituir um pólo de referência na arte e cultura portuguesa, para além de um investimento orientado por princípios claros e avaliáveis.

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A ambição de uma colecção como a da Caixa Geral de Depósitos – ou seja, a colecção de um grande banco público – deve sempre ser a de constituir um espólio de obras que possuam qualidade para serem publicamente apresentadas em contexto museológico, salvaguardando a produção artística da voragem do esquecimento. Este parâmetro qualitativo não contempla apenas uma tipologia de obras, mas refere-se ao seu relevo para o conhecimento de transformações e evoluções na arte, independentemente da dimensão ou da escala das obras, sem perder de vista o seu sentido enquanto património cultural.

Trata-se de uma tarefa difícil, na medida em que a produção artística é imensa e múltipla, desenvolvendo-se em diferentes direcções, mesmo se nos detivermos nos percursos individuais dos próprios artistas que se revelam, frequentemente, de alguma complexidade.
Se há uma característica que não pode ser reivindicada para os artistas é a de coerência, na medida em que a volubilidade das suas escolhas é uma prerrogativa da arte em cada momento.

Uma colecção define-se a partir de eixos de desenvolvimento, balizas de aquisição que podem ser temporais, estilísticas, de tendência – geracionais ou históricas –, mas sempre a partir de uma opção fundamental: a de saber se a História da Arte se documenta melhor através do acompanhamento do percurso dos artistas ou se, pelo contrário, os artistas são tomados por um trabalho que, exemplarmente, os represente. Por ou- tras palavras, trata-se de decidir se os artistas devem estar representados com uma obra paradigmática, uma obra-prima que resuma o seu percurso, ou se o caminho criativo de um artista é tomado como um desenvolvimento de escolhas e opções estéticas tornando- se, por isso, necessário adquirir obras de diferentes momentos, tarefa que requer um maior conhecimento do cenário artístico e do mercado.

Em cada uma destas opções está contida uma decisão que pressupõe uma visão própria sobre a arte e os artistas: se o percurso dos artistas é acompanhado em cada momento significativo com a aquisição de obras que, em momentos diversos, são demonstrativas dos desenvolvimentos do seu percurso, valoriza-se a individualidade criativa, o carácter idiossincrático de cada autor; se os autores estão representados por uma única obra, fica valorizada a transformação da própria História da Arte, tomando cada artista como um ponto da constelação que desenha um cenário nacional, epocal ou outro.

Provavelmente, cada um destes modelos existe combinado na estratégia móvel e dinâmica de cada colecção, formatando o posicionamento cultural das instituições que coleccionam.

Na Colecção da Caixa Geral de Depósitos, as transformações de perspectiva que a Colecção viveu desde a sua progressiva constituição representam maneiras diversas de entender o próprio coleccionismo institucional, combinando de forma evolutiva estas diferentes tipologias de colecção. O mesmo acontece em inúmeras colecções que se perpetuam no tempo e que, também elas, são o produto histórico de determinadas culturas de coleccionismo.

Uma colecção não é só o que dela consta, mas também o que dela é excluído, formando uma rede de referências e remissões internas que constrói um ponto de vista sobre a realidade artística (ou uma versão da realidade artística), destacando artistas e percursos, fazendo reviver tendências e correntes.

Mais, uma colecção é também a maneira como publicamente se apresenta, o espectro temporal que define para o seu futuro e a maneira como se vincula ao tecido de criação artística do seu tempo. Por outro lado, uma colecção não é nunca um puro exercício voluntarista de quem a decide constituir, ou de quem técnica e curatorialmente a desenvolve: é o resultado do que está disponível no mercado num determinado momento, do orçamento que lhe é destinado, dos objectivos para si definidos e da relação que vai estabelecendo com os criadores e com o mercado da arte, que a passam a considerar como um destino prioritário para as obras dos artistas que nela se vêem defendidas, acompanhadas de outras que se legitimam mutuamente. Uma colecção estabelece, para si mesma, um patamar de exigência que a transforma em destino almejado para artistas e galeristas, por fornecer uma caução cultural ou de investimento, na medida em que a solidez de cotação das obras de arte é, também, aferível pelas instituições que possuem obras do mesmo artista, do mesmo período, ou de comum tendência.

Para compreender a relação que uma colecção institucional define com o mercado e o tecido cultural, podemos socorrer-nos de uma comparação com o catálogo de uma editora livreira. Por vezes, nas estantes de uma livraria, o nosso olhar é atraído por determinadas obras, apenas pelo facto de terem sido editadas numa colecção que inclui outros livros que mereceram a nossa leitura. A colecção funciona como um processo legitimador se definir para si mesma um estatuto de referência, o que é conseguido pela qualidade intrínseca do que inclui, mas também pela tipologia genérica do mapa de inclusões e, necessariamente, do que exclui.

Este mapa de possibilidades e expectativas que constitui uma colecção afecta a nossa perspectiva quando com ela somos confrontados, porque uma colecção não é um repositório de tudo, mas de um conjunto de peças que estabelecem relações e que propõem um conjunto de configurações – entre outras possíveis. Neste sentido, o centro de uma colecção é a teia de vínculos que define as regras que intuímos (ou que são completamente explícitas).

Esta foi a grande inovação que, na história da cultura artística recente em Portugal, a Colecção da Caixa Geral de Depósitos introduziu: foi a primeira colecção de uma instituição financeira a valorizar o rigor da perspectiva estratégica que se definiu – sabendo que a tarefa de recolher e preservar património é fundamental se for orientada por princípios de oportunidade económica –, cultural e historicamente, por valores de acessibilidade dos bens culturais.

Num célebre texto de Michel Foucault (As Palavras e as Coisas, 1966), a catalogação e organização dos saberes humanos é entendida como proveniente de um determinado sistema cultural e histórico. Uma colecção de arte, como sistema que é de organização de obras de arte (mas também de critérios e opções estéticas), parte de sistemas culturais e de organização de sabe- res artísticos que não se podem confundir com meros sistemas de gosto. Assim, a organização de uma colecção é um depósito de um conjunto de relações entre perspectivas artísticas que pode permitir abordagens muito diversas – e preferencialmente sensibilizadoras e esclarecedoras – sobre a criação artística de um determinado período a partir do ponto de observação que é constituído por um determinado enquadramento, definido num lugar.

O lugar da Colecção da Caixa Geral de Depósitos corresponde à situação portuguesa contemporânea e o seu enquadramento institucional resulta da forma como o maior banco público do País encara a sua responsabilidade social e cultural.

É a partir deste contexto que a Colecção da Caixa pode ser abordada e nela podem ser procurados os eixos fundamentais do seu desenvolvimento, bem como os objectivos que têm presidido às suas aquisições.

Fazendo um pouco a história da Colecção, poder-se-ia afirmar que esta conheceu dois momentos fundadores e estruturantes do seu percurso: o primeiro, que correspondeu à aquisição de um espólio alargado e diverso e que se desenvolveu a partir de 1983, e o segundo – que se mantém até hoje –, iniciado com as aquisições propostas por Fernando Calhau, segundo um plano rigoroso aprovado pela Administração e que viria dar início, em 1992, à Colecção da Caixa propriamente dita.

O perfil estabelecido nessa altura para a Colecção da Caixa Geral de Depósitos foi o resultado de uma avaliação contextual das colecções institucionais portuguesas – realizada em 1990 –, nomeadamente da Colecção da (então) Secretaria de Estado da Cultura – a maior parte da qual viria a ser incorporada, também em 1992, na Fundação de Serralves. Na referida avaliação das possibilidades de desenvolvimento era clara a intenção de promover um crescimento da Colecção em sintonia com um acompanhamento da criação artística, prática pouco frequente nas colecções institucionais existentes. Desta forma, eram privilegiadas as encomendas de obras a artistas, a afinação da Colecção por um critério de excelência e um acompanhamento muito próximo da actividade expositiva. De facto, os parâmetros que, nessa altura, o consultor Fernando Calhau usou para o plano da Colecção que propôs centravam-se na pro- cura de obras de qualidade marcantes da realidade portuguesa a partir da década de sessenta do século passado, ou seja, estruturantes da contemporaneidade cultural portuguesa, no caso dos maiores recuos históricos; as restantes aquisições eram propostas a partir da vivacidade da criação artística apresentada no circuito galerístico, ficando, assim, arredada a atenção ao mercado leiloeiro, só utilizado na busca de peças específicas ou na detecção de lotes a mercado particularmente relevantes.

Para compreendermos esse plano é necessário recordar os seguintes factos: Lisboa possuía, desde 1911, um Museu de Arte Contemporânea, um dos primeiros do mundo se atentarmos na data da sua fundação. No entanto, a sua programação e as colecções portuguesas que reuniu foram, desde a sua constituição, completamente oriundas do tardio naturalismo português, encontrando-se vedada a exposição e colecção aos artistas modernistas, com excepção daqueles que tinham compactuado com a ditadura. É disso exemplo cabal a dificuldade de inscrição de Amadeo de Souza-Cardoso, o mais importante pintor do modernismo português, no nosso cenário museal. Ainda a este res- peito, vale a pena referir que o núcleo mais importante de obras de Souza-Cardoso foi adquirido pela Fundação Calouste Gulbenkian em 1957 – 39 anos após a morte do pintor –, como a primeira acção de valorização do moderno num Portugal fechado e incapaz de se fixar. Completamente alheado das práticas contemporâneas, o Museu de Arte Contemporânea nunca cumpriu a sua função (expressa no nome) até ao seu encerramento aquando do incêndio do Chiado, em 1988. Após o incêndio, a partir de uma colaboração do Estado francês, o arquitecto Jean Villmotte efectuou um projecto de re- modelação do Museu que corresponde ao edifício tal como hoje se encontra. Neste contexto, compreender- se-á facilmente a importância, em 1983, da abertura do Centro de Arte Moderna – Fundação Calouste Gulbenkian (CAM-FCG). Planeado em 1979 como um museu da década de setenta, assente sobre as ideias de experimentação artística e claramente enformado pela figura de Ernesto de Sousa. Este era, à época, o mais impor- tante crítico português – até porque tinha realizado uma exposição marcante no Portugal pós-Revolução, a Alternativa zero (em 1977), que reunia um grupo alar- gado de artistas que protagonizavam a ideia de experimentação artística, muito relevante na cultura artística da década de setenta. Embora entre o projecto – tal como pode ser lido na acta do Conselho de Administração que o aprovou em 1979 – e a sua concretização haja um significativo hiato ideológico e programático, com a redução da colecção ao âmbito estritamente português a que se adicionava um núcleo de colecção de pop art britânica, adquirida no momento certo com consultoria de, entre outros, Herbert Read, o CAM-FCG foi o primeiro museu da modernidade portuguesa. Nesse sentido, contribuiu em muito para a sedimentação das gerações de artistas que iniciaram o seu percurso nas décadas de cinquenta e sessenta. Logo à data da sua abertura, o programa do CAM-FCG, optou por ocupar um lugar mais abrangente abdicando do projecto inicial de se tornar a sede do experimentalismo, das derivas conceptuais e do aggiornamento da arte portuguesa. Foi, no entanto, pelo seu amplo espectro de actuação, o único centro de difusão de cultura artística consequente até à criação da Fundação de Serralves no Porto, entidade que abriu, em 1999, o Museu de Arte Contemporânea de Serralves.

Em 1992, portanto, as únicas instituições em actividade no domínio da arte contemporânea eram o CAM-FCG e a Fundação de Serralves (ainda sem museu), ambas com colecção, embora só a primeira com espaço para a sua exposição permanente. O Centro Cultural de Belém (CCB), bem como a Culturgest, só abririam as suas portas no ano seguinte, em 1993. No caso do primeiro, nunca foi decidido o alojamento de uma colecção pública – embora um embrião de colecção viesse a ser formado em 1996 pelo Instituto de Arte Contemporânea, mas sem continuidade, tendo chegado a ser colocado em depósito no CCB. Para além das referidas colecções institucionais existia uma outra colecção em desenvolvimento desde 1986, a da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, que, no entanto, se viria a centrar especificamente no desenho – cumprindo, aliás, um papel fundamental nesta área –, sobretudo porque encontrou um foco específico e bem adaptado à dimensão do investimento, não possuindo, no entanto, espaço para a sua apresentação pública permanente ou regular.

Assim, o projecto da Colecção da Caixa Geral de Depósitos foi particularmente importante, na medida em que a ambição de constituir um núcleo de obras dos mais relevantes artistas portugueses, complementando e dando um rumo claro às aquisições que vinham a ser desenvolvidas desde 1983, ao mesmo tempo que estabelecia uma narrativa do que tem sido a transformação da arte portuguesa dos últimos quarenta anos, possuía um campo fértil para o seu desenvolvimento e uma oportunidade cultural efectiva.

Com a sua nomeação como director do Instituto de Arte Contemporânea, em 1995, Fernando Calhau abandonou as funções de consultor de aquisições da Colecção da Caixa Geral de Depósitos, não sem antes ter efectuado duas exposições marcantes da Colecção nas instalações da Culturgest intituladas Arte moderna em Portugal 1 e 2 que tiveram lugar em 1993 e 1995, respectivamente, e que apresentavam um núcleo de obras resultante das aquisições recentes.

Ambos os catálogos são sintomáticos de uma colecção que se estruturava em linhas de trabalho muito sólidas – muitas das obras reproduzidas neste livro constavam dessas exposições –, testando (e comprovando) a qualidade museológica da Colecção que não só acompanhava o percurso recente dos artistas, como efectuava recuos históricos tendo sido adquiridas obras seminais de He- lena Almeida, Lourdes Castro, António Dacosta, entre outros, para além de um esforço prospectivo no sentido de encontrar os novos artistas que começavam a solidificar os seus percursos, como João Queiroz ou Pedro Sousa Vieira, e ainda consolidando núcleos de artistas muito marcantes como Pedro Cabrita Reis e Julião Sarmento.

Após esta fase a Colecção atravessou um período de interregno no processo de aquisições, tendo sido deci- dido pela Administração da Caixa Geral de Depósitos retomar as compras em 2000. A Culturgest, a empresa do Grupo que se dedicava (e dedica, agora num novo formato como Fundação) à promoção e divulgação cultural ficou encarregue de delinear uma política de compras e de a executar.

Entretanto, algumas consultas a especialistas externos foram efectuadas e a óptica das aquisições modificou-se, tendo passado de uma perspectiva de aquisição de obras de artistas exclusivamente portugueses para uma tentativa de cobrir a produção artística brasileira e dos PALOP, segundo o projecto de António Pinto Ribeiro, então responsável pela programação, e de Fátima Ramos, ao tempo administradora da Culturgest. Neste âmbito, foram efectuadas algumas aquisições, assentes sobre a produção contemporânea, que incluíram peças de Lygia Pape, Valeska Soares, Tunga, entre ou- tros. Assim, obras de artistas muito significativos como António Ole e Fernando Alvim, de Angola, Efrain Almeida ou Adriana Varejão do Brasil passaram a integrar o espólio que se assumiu como uma Colecção de Arte Contemporânea centrada no mundo lusófono. Deste período, foi realizada uma exposição e um catálogo, Arte contemporânea/Colecção Caixa Geral de Depósitos, novas aquisições (2002), no qual era efectuada, pela primeira vez, uma listagem completa das obras que integravam o es- pólio da Caixa Geral de Depósitos.

Nos anos mais recentes, as aquisições têm sido resultado de propostas da Culturgest, nomeadamente do seu consultor Miguel Wandschneider, tendo-se optado por continuar as aquisições intensivas de artistas, acompanhando o seu percurso, na óptica museológica que foi sendo afirmada a partir de 1992. Nesse âmbito, a Colecção encontrou uma segunda tarefa, não menos importante – a de efectuar uma memória viva da actividade expositiva que a Culturgest desenvolve, fixando os momentos mais significativos pela incorporação de peças de referência, apresentadas nas exposições monográficas e antológicas que a Culturgest tem vindo a oferecer.

Esta é uma tarefa de grande importância, porque dela depende a fixação de um espólio definidor de uma memória da arte que vai sendo produzida e apresentada em Portugal, estabelecendo com clareza estratégica e clara consciência institucional o papel da Culturgest e da Caixa Geral de Depósitos no contexto português.

Nesse sentido, os últimos anos têm vindo a assistir a um conjunto de aquisições de alguns artistas menos representados nas colecções portuguesas mas com um importante papel na década de noventa e no dealbar do novo século, nomeadamente Ana Jotta, Francisco Tropa, Ricardo Jacinto ou Bruno Pacheco, artistas cujas obras foram adquiridas em consonância com a divulgação do seu trabalho, efectuado em sede expositiva pela Culturgest em Lisboa e no Porto.

A Colecção da Caixa Geral de Depósitos tem vindo a afirmar-se como um marco incontornável a dois títulos: em primeiro lugar, como fixação da memória da arte portuguesa recente, isto é, da arte oriunda das rupturas das segundas vanguardas do século XX; em segundo lugar, como mecanismo de preservação das propostas artísticas que, ao longo do seu percurso, os artistas vão desenvolvendo.

Existe, simultaneamente, um lado invisível em qual- quer colecção que se centra sobre o tratamento, inventariação, conservação e apresentação pública do acervo que tem vindo a ser desenvolvido, dando lugar a um crescente trabalho de itinerância da colecção fora dos grandes centros urbanos, através de uma política de convite a curadores para desenvolverem projectos – o que serve como um permanente teste às virtualidades de apresentação deste profícuo espólio.

Em termos do seu desenvolvimento, a Colecção da Caixa Geral de Depósitos definiu-se, como já referimos, ao longo destas duas décadas e meia, como um reposi- tório importante no contexto da preservação patrimonial da memória da arte portuguesa recente, possuindo um primado de excelência nas suas escolhas. Este primado cruza-se com uma estratégia orientada pelo acompanhamento transversal das obras dos artistas, mas também pelo relevo museológico das próprias obras. Quer isto dizer que tem tomado como critério de aquisição o facto de as peças possuírem uma qualidade expositiva própria e única, conferindo-lhes uma universalidade que as faz extravasar o contexto da produção dos seus autores para definirem um lugar na História da Arte.

Ora, esta perspectiva de entendimento de uma colecção institucional como um conjunto integrado de peças que permitem uma leitura cruzada entre a especificidade da criação individual e a perspectiva da imaginação sobre a História da Arte do futuro parece prefigurar-se como o destino mais nobre de qualquer colecção institucional.

Coloca-se, ainda, uma segunda questão de relevo, que é a da amplitude geográfica da Colecção. Sobre esta questão é necessário ter em consideração que quase todas as colecções institucionais públicas portuguesas são colecções nacionais. Isso acontece com a Colecção do Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado, com a Colecção do Centro de Arte Moderna – Fundação Calouste Gulbenkian bem como com a Colecção da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento. As excepções a esta regra, natural num país que sofreu uma ditadura longa, surgiram muito depois da Revolução de 1974 com colecções privadas importantes como a Colecção Berardo, a Colecção Ellipse Foundation ou, em termos institucionais, a Colecção da Fundação de Serralves. Estando assim colocada uma opção institucional e política significativa, é natural que as atenções se tornem para a Colecção da Caixa Geral de Depósitos, que possui, como vimos, uma ainda breve incursão em a África e no Brasil, no sentido em que lhe pode estar reservado um importante papel de ponte internacional com um foco bem dirigido e específico.

A opção de constituir uma colecção que espelhe a relação entre a Europa, África e o Brasil pode também estabelecer uma possibilidade de desenvolvimento importante.

Neste contexto, as possíveis opções são determinantes para a contextualização do próprio núcleo de obras até agora constituído na medida em que, em qualquer colecção (como afirmámos antes), as aquisições vão definindo contextos diversos que permitem reenquadrar a importância de cada peça numa circunstância mais ampla. Assim, uma colecção não é só um mero repositório de obras mais ou menos importantes, mas antes uma visão sobre os acontecimentos que constituem a matéria da arte em cada momento, em cada contexto histórico, social, geopolítico e, evidentemente, emocional.

Uma colecção como a da Caixa Geral de Depósitos vive das escolhas, mas também do intervalo entre as obras, do que se espera que possa incluir, construindo, no interior do seu mapa emocional, uma afirmação estratégica e de futuro.

E é para isso que serve uma colecção: para podermos olhar para o futuro da arte a propósito do que foi o seu passado, ficcionado a partir de escolhas que se pressupõem cirúrgicas e comprometidas com o seu tempo. Uma colecção é, em certo sentido, uma retroprospecção.

Sobre as escolhas e a multiplicidade da Colecção da Caixa foram seleccionadas, para este livro, são obras que possuem uma importância na arte portuguesa recente, que marcaram momentos de viragem no percurso dos seus autores, ou que possuem um universo poético que as torna únicas.

Em termos de organização seguiu-se o critério mais simples e de mais fácil consulta: a ordem alfabética dos autores. Muitas das obras são acompanhadas de textos. Não se pretende que sejam peças ensaísticas de Teoria ou de História da Arte, mas antes conversas com as obras, nalguns casos pequenas histórias sobre a sua origem ou ligações que pareceram oportunas. Espero que o prazer que tive a escrevê-las passe, de alguma forma, para o leitor.

Por fim, o livro inclui uma curta biografia e duas entradas bibliográficas sobre cada artista (para quem pretenda obter um pouco mais de informação).

Ao longo da sua vida, a Colecção já conheceu diversas exposições e publicações que apresentaram diferentes formas de a entender e de a dar a conhecer. A sua vitalidade está, sobretudo, nesta diversidade.

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