Antes de recebermos Moritz von Oswald e as 16 vozes do Nova Era Vocal Ensemble na Culturgest, falámos com Mariana Rosa, designer, web developer e professora, sobre o concerto a que assistiu no ano passado, na Basílica dos Congregados, em Braga. A nosso pedido, mergulhou no território de Moritz von Oswald e escreveu-nos a partir da escuta atenta deste e de outros concertos a que já tinha assistido do músico alemão. Um eco da experiência de ouvir von Oswald antes de o descobrirmos ao vivo.
Entre o Espaço
e o Pulso
Por Mariana Rosa
Braga, final de tarde de um domingo. Uma certa resistência sobre o retomar da rotina ganha expressão em frente à Basílica dos Congregados. Os fiéis aguardam com entusiasmo por um encerramento em tom solene da 15.ª edição do festival Semibreve. A missa é outra: a apresentação de Silencio (Tresor, 2023).
Ainda alerta a demasiados aspetos em redor e pronta a adotar um ponto de escuta que melhor servisse a magnitude do devir, pouco demora para que o foco se desvie do visível, passando as frequências baixas a bombear o corpo e a conduzir a mente. Drones visionários a fazer lembrar a infinitude dos movimentos de ReComposed (2008) prolongam o espaço rumo a uma dimensão própria, desocupada e sombria, pontuada por novos referenciais sintéticos. Um coro de dezasseis vozes humanas, presente, mas até então em surdez, irrompe de entre o ritmo já hipnótico como uma súbita aparição. Num processo contínuo de tradução de matérias, Moritz von Oswald volta à ópera e ainda à percussão, estabelecendo as condições férteis para um território de diálogo e retroalimentação entre seres. Torna-se claro que também a satisfação é recíproca!
Por afinidade de mundos, enquanto ouvinte de dubreggae, é a partir das reedições da Wackie’s que chego a “Music Hit You” e às versões da Burial Mix (2003), uma estrondosa descoberta que cedo se torna aditiva. Talvez por isso seja tão difícil dissociar a mentalidade e a insanidade do dub de tudo o que Moritz von Oswald toca e transforma. Figura incontornável da vanguarda do techno de Berlim, juntamente com Mark Ernestus é responsável pelo cruzamento do minimal com os engenhos da cultura jamaicana para criar o que mais tarde viria a ser denominado de dub techno. Juntos abastecem um legado amplamente difundido através de diversos aliases e da própria Basic Channel, motor vital na polinização cruzada de tantas outras colaborações através de selos como Rhythm & Sound ou Chain Reaction, durante as últimas três décadas.
Numa atitude concordante com o seu discurso opaco, contornando grandes explicações sobre a sua obra, von Oswald propõe-nos dar ouvidos a seres que falam por si para descobrir possíveis mundos através da sua potência reverberativa. Onde nem todas as variáveis desempenham um valor determinável, adota o antigo instinto humano de atribuir vida e espírito a coisas não vivas para explorar o poder criador das máquinas – que o próprio trata como família – e o alcance dos seus ecos.
Em Silencio somos desafiados a abrandar, a escutar e a fruir, mas tal exige ser capaz de aceitar o convite à entrega e, quem sabe, até prescindir de algumas convenções para dar lugar a outras vidas. Tudo propostas que merecem ser nutridas nos tempos que correm.
Existe o espaço, existe o tempo e o impulso criador entre eles.
FICHA TÉCNICA
TEXTO
Mariana Rosa
EDIÇÃO
Carolina Luz
REVISÃO DE CONTEÚDOS
Catarina Medina
DESIGN E WEBSITE
Studio Macedo Cannatà & Queo