UM FÓRUM MISTO DE COISAS DÍSPARES

Do meu quarto consigo ouvir os frequentadores do bar lá em baixo: “Venham e construam o futuro!” um deles gritou agora mesmo. Graças a Deus, não se dirige a nós...
Bem, sem mais delongas, vamos diretos ao assunto: segundo o meu dicionário português online, Mistifório significa “mistura desordenada, salsada, confusão, miscelânea, embrulhada”, e vem do latim mixti fori. Como outro dicionário da internet salienta, este étimo significa “de foro misto.” Ao que parece, antigamente os crimes distribuiam-se pelos tribunais eclesiásticos ou pelos tribunais civis consoante a natureza da sua prevaricação. Alguns delitos, porém, viam a sua vil transversalidade colocá-los em foro misto, nesse lugar ecuménico em que o que era dos homens e o que é de Deus afinal coexistia, por momentos, para apurar conjuntamente o destino funesto de um réu. Hoje em dia, já ninguém diz mistifório. Caiu em desuso e foi substituído pelo mucho más estético, pero mucho menos elocuente, termo zona cinzenta. De qualquer modo, quando usado, o termo é principalmente aplicado a toda e qualquer confusão ou mistura de coisas heterogéneas.

Excerto da folha de sala por Marco Benne

 
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Quando entramos na exposição, apercebemo-nos de que o título lhe assenta que nem uma luva. A mostra quis sempre ser um fórum misto de coisas díspares, um lugar onde se pudessem estabelecer ligações quânticas entre elas, por via da sobreposição de tempos, espaços e representações de diferentes proveniências e culturas, um tribunal onde as peças nele constantes pudessem ser julgados facilmente por um espectador/juiz quanto à sua utilidade espiritual, estética, ética, lúdica, etc.
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© Vera Marmelo 
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Fidelidade Arte | Curador | Natxo Checa
Mistifório é, a muitos títulos, exemplar da prática curatorial de Natxo Checa.
Num primeiro plano, uma seleção de mais de sessenta obras de dimensão doméstica que propõem uma releitura histórica da arte portuguesa (com pontuais incursões lusófonas) a partir da segunda metade do século XX. Vemos como esta proposta deixa a nu tanto a tendência de Checa para trucidar as divisões categóricas da cultura material contemporânea quanto o seu desprezo por qualquer separação entre a alta e a baixa cultura. Encontramos aqui de tudo, desde o mais elegante concetualismo, a peças que não faço a mínima ideia do que são; desde artistas esquecidos até aos eixos mais reconhecidos da arte lusa... Enfim, Checa constrói aqui um regime aberto de categorias, constelações mentais de uma história mal contada, à qual o estimado visitante terá de dar sentido, se é que é sentido aquilo que procura encontrar na vida...

Excerto da folha de sala por Marco Benne

 

TERRITÓRIO

Por Bruno Marchand

Sobre o ciclo

#1

NATXO CHECA

Nasceu em Barcelona em 1968. Foi um dos fundadores da Galeria Zé dos Bois, em 1994, associação onde continua a trabalhar e na qual comissariou e produziu dezenas de exposições. Criou um inovador sistema de residências, quer dentro quer fora de portas, trabalhando em estreita colaboração com artistas, não só nas suas exposições, mas também na produção das suas obras.
Foi o comissário da representação portuguesa à Bienal de Veneza de 2009 e recebeu uma menção honrosa no prémio de Melhor Produtor Cultural Natércia Campos, em 2011.
FICHA TÉCNICA

CURADOR
Natxo Checa

FOTOGRAFIA
Vera Marmelo

VÍDEO
Pequena Túlipa

EDIÇÃO
Carolina Luz

REVISÃO DE CONTEÚDOS
Helena César

DESIGN E WEBSITE
Studio Macedo Cannatà & Queo

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