O QUE PODE UM CORPO?

"Os corpos são políticos a partir do momento que se questiona o sítio onde estão e onde deveriam estar, de que forma são ou não aceites."

in Público
 
Ao longo de duas semanas o ciclo Corpos Políticos, com curadoria de Diana Niepce, que reúne na Culturgest um conjunto de conversas, formações e performances para pensar os corpos não normativos nas artes performativas.
Neste microsite, falamos com Diana Niepcee e Joana Reais sobre o trabalho enquanto ativistas e artistas. Descubram aqui as histórias que partilharam connosco e os temas que fazem parte deste ciclo.
Diana Niepce, artista, coreógrafa e curadora do ciclo Corpos Políticos.
"Acho que a comunicação em torno de artistas com deficiência em termos de linguagem ainda está num lugar muito condescendente e capacitista (…), que retira força muitas das vezes ao trabalho, à pessoa e à sua própria existência. Acho que ainda é necessário trabalhar em formação neste campo e repensar em conjunto de que forma é que o discurso pode ser mudado."
Diana Niepce, coréografa, bailarina, autora

"Diana Niepce nunca nos deixa esquecer a predominância de certos discursos, de regimes laborais e da preponderância do mercado na determinação da visibilidade. Poderá, nesse sentido, ser enquadrada pela linhagem de uma luta pela validação de corpos plurais. “Os portugueses não têm corpo? É o título de um artigo de 1993 de Alexandre Melo, publicado no semanário Expresso, a propósito de corpos invisibilizados no auge do flagelo da SIDA, em que cita como exceções de um espetáculo de Vera Mantero e outro de Francisco Camacho. Trinta anos depois, Diana Niepce redimensiona os limites do corpo e relativiza a neutralidade dos corpos que estão em seu redor no quotidiano. 

Andar não é mais normal, é só mais preponderante. Ou melhor, o que é andar?

Que corpos são mais ou menos válidos, mais ou menos aptos no contexto performativo? Que ideias de expressão regulam a nossa relação com o mundo? Para quem são feitos os projetores? Quem é farmaco-dependente? Que corpo é mais corpo: um corpo com uma coroa, com um anel ou com uma bengala? As ideias de corpo vão sendo iluminadas e acumulam-se aos nossos pés a cada página que passa, numa pilha de corpos-em-devir que se afastam das ideias de origem ou autenticidade."

- Excerto do prefécio do livro Anda, Diana, de André e. Teodósio e J.M. Vieira Mendes

Joana Reais, cantora.
“Estou a falar das entidades culturais de referência do nosso país. O incómodo que ainda se sente quando uma pessoa com algum tipo de deficiência pergunta se existe gratuitidade, se o acompanhante tem direito a essa gratuitidade ou se existe algum desconto. Ainda há um grande caminho a percorrer. Não basta estar apenas na lei, é preciso saber aplicar a lei.”
Joana Reais, cantora
Mia Meneses, atriz
"Quando eu penso em mitos, para mim acho que este ainda é o maior que existe, que tem a ver com a sexualidade. As pessoas com deficiência não têm direito a ter relações, primeiro amorosas, segundo, sexuais, não existe. Não se fala, pura e simplesmente, é estranhíssimo. E depois, se se falar, presume-se que é, que só exista entre pessoas com deficiência. Não, é muito mais, está muito além disso." 

 

Mia Meneses, atriz

Leituras sobre Disability Studies:

Disability Visibility, de Alice Wong
Crip Theory, de Robert Mcruer
The future is disabled & Care work, de Leah Lakshmi Piepzna - Samarasinha
Sitting pretty, de Rebekah Taussing
Unbroken, edição Marieke Nijkamp
Queens of geek, de Jen Wilde
Plankton Dreams, de Tito Mukhopadhyay
The mind tree, de Tito Mukhopadhyay
Teaching myself to see, de Tito Mukhopadhyay
Enforcing normalcy: Disability, deafness and the body, de Lennard J.Davis
Disabled Theater, de Sandra Umathum and Benjamin Wihstutz

Ouça "Europe Beyond Access. Transformation and the body." no Spreaker.
> Uma conversa entre Marc Brew e Diana Niepce sobre o seu percurso no meio artístico. Ambos começaram as suas carreiras com formação em dança clássica e, a dada altura das suas vidas, juntaram-se a um novo grupo - um grupo de artistas com deficiência. Neste podcast falam sobre o que encontraram nesta nova identidade e como é que isso afectou o seu trabalho.
Learning journeys reúne um conjunto de ferramentas e recursos educativos destinados a artistas, produtores e promotores com deficiência, bem como a financiadores e decisores políticos. Descubram mais no site do Europe Beyond Access.
Descubram o programa completo do ciclo Corpos Políticos [LGP]

Manifesto de Al.Di.Qua. Artists

> Al.Di.Qua. Artists (Alternative Disability Quality Artists) - Manifesto

Al.Di.Qua. Artists (Alternative Disability Quality Artists) é a primeira associação de trabalhadores do setor artístico, em Itália, com corpos não normativos. Defendem a acessibilidade na participação e produção de eventos e atividades artísticas, bem como do oportunidades de estudo e de trabalho para artistas com deficiência. Alterar o imaginário subjacente às pessoas com deficiência.

O Projeto Invisível #6
2. Como e Quando Falar da Deficiência?

Todo o corpo é político. Em março, pensamos os corpos fora da norma nas artes performativas no ciclo “Corpos Políticos”, com curadoria de Diana Niepce. A propósito, ficamos a conhecer seis dos mitos relativos a pessoas com deficiência e Surdas, que podemos encontrar na publicação “Como (e Quando) Falar da Deficiência: Um Guia para Profissionais de Comunicação Cultural e Jornalistas”, da Acesso Cultura.

Tito R. Mukhopadbyay - Plankton Dreams: Uma Conversa

Transcrição

Diana Niepce: Olá. Chamo-me Diana Niepce. Os meus pronomes são "ela/dela". O meu nome em língua gestual é:

O meu cabelo e os meus olhos são castanhos, pele branca. Uso uma cadeira de rodas. Estou a usar uma camisola e uma t-shirt branca. Há vários quadros atrás de mim e estou aqui para conversar com o Tito, autor de várias obras que devia chegar a um público mais vasto. Conheci a obra de Tito, um autor neurodivergente através de um amigo, o coreógrafo e investigador Carlos Oliveira. Achei importante a opinião dele sobre como é observado e tratado por outras pessoas. Apesar da comunicação ser restringida a uma única forma, há muitas outras formas de comunicação. O seu estilo poético e metafórico faz-me refletir no conceito de que a atenção dele nos obriga a reparar nela.

Tito criou uma relação própria com o mundo graças ao inestimável empenho da sua mãe, Soma, que criou um método chamado "Rapid prompting method (RPM)", que implica questões constantes e rápidas que suscitam um envolvimento.

Estou muito agradecida por este momento. Bem-vindos a esta conversa. Olá, Tito, vou fazer uma breve introdução sobre ti para que o público conheça o teu trabalho. O Tito cresceu na Índia e veio para os EUA com a mãe aos 13 anos. É um autor autista, publicou vários livros como “Plankton Dreams”,  “Não sou poeta, mas escrevo poesia”, “Como posso falar se os meus lábios não se mexem?”, “The Gold of Sunbeams And Other Stories”,  “The Mind Tree: Beyond the Silence”, “My Life, the Word and Autism”. O Tito escreveu a primeira obra entre os 8 e os 10 anos. O que mais aprecio na tua escrita é que não disfarças o facto de seres autista. Portanto, és muito honesto na maneira como vês o mundo e, de maneira extraordinária, crias empatia em todo o mundo. Queres apresentar-te?

 

Tito Mukhopadhyay: Não vou falar muito a meu respeito, mas sinto-me honrado pela tua opinião.

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Diana Niepce: Gostaria de fazer-te algumas perguntas que elaborei, porque li a tua obra. Vi também alguns documentários a teu respeito. Sei que foste ensinado pela tua mãe, porque não havia uma escola adequada para ti na Índia. A tua mãe criou um método chamado “Soma”. No entanto, não é sobre esse assunto que eu queria conversar. Mas também penso que é útil as pessoas saberem isso. É um método de sugestão rápido.

 

Tito Mukhopadhyay: Sim.

 

Diana Niepce: É um método de sugestão rápido. A tua experiência na escola de necessidades especiais foi muito difícil. Escreveste bastante sobre a tua experiência.

 

Tito Mukhopadhyay: Fiz os possíveis para me manter entretido.

 

Diana Niepce: Tens muito sentido de humor, fazes-me rir. Li um excerto do teu livro “The Mind Tree”. É muito interessante a maneira como falas sobre imaginação e como vês o mundo à volta da tua imaginação. Crias possibilidades infinitas que acredito que também te divertem na maneira como vês o mundo. Guardo uma imagem específica da obra “The Mind Tree” e que gostaria de partilhar contigo. Há um cavalo amarrado a uma árvore. O dono foi assassinado sem motivo aparente. O cavalo aterrorizado poderia ser livre para viver selvagem ou sem dono. No entanto, continua amarrado à árvore, porque não consegue libertar-se. Ninguém ouve os seus gritos de socorro, está preso, vai morrer de sede e de fome e devorado por abutres e chacais. A árvore sofre imenso, em empatia com o cavalo, sofrendo durante os dias em que permanece preso, imobilizado e incapaz de se defender, e cujos pedidos de ajuda não são ouvidos pelas pessoas.

Sinto que o conceito de empatia ou a sua ausência surge frequentemente na tua visão poética da escrita. Fez-me pensar que nos esquecemos que não comunicamos apenas através da fala, que todos os nossos sentidos estão sempre a comunicar em silêncio.

 

Diana Niepce: Queres partilhar a tua visão? Sei que eras muito jovem quando escreveste…

 

Tito Mukhopadhyay: Vejo sempre através da mente das árvores.

 

Diana Niepce: Outro aspeto interessante é a maneira como a árvore comunica. Pelo que percebi, vivias perto desta árvore. Isso serviu-te de inspiração, não é? Talvez esteja errada.

 

Tito Mukhopadhyay: Sim, eu visitava uma figueira ancestral.

 

Diana Niepce: A história que criaste na obra “The mind tree” tem muita sabedoria, eras muito novo quando a escreveste. É uma história muito sábia e muito bem escrita. Foi fascinante ler que mostraste a tua experiência de vida através da árvore. É muito interessante.

Na introdução de “Plankton Dreams” há uma frase muito interessante: “A minha educação começou de uma nova forma, numa nova escola, num novo país. A minha mãe sempre me ensinou a aprender com as circunstâncias. Neste caso, a circunstância foi a humilhação. Um professor bastante intrusivo. Descobri que uma humilhação está longe de ser um acontecimento acidental na vida. Se aprendermos a suportá-la e, nesse processo, a superar o nosso orgulho, podemos atingir um nível de sabedoria mais elevado do que o de qualquer professor conceituado. Tenho um doutoramento em humilhação, mas não estou a queixar-me. Afinal de contas, a humilhação fez de mim um filósofo. Sou o filósofo que aprendeu a descobrir o humor na humilhação. Agradeço o facto aos meus professores de educação especial. Estou agradecido por cada momento em que a minha inteligência foi posta em causa.Não será a descrença uma porta que se fecha ao conhecimento do descrente?”. Gostarias de falar um pouco sobre este assunto? É uma questão muito interessante.

 

Tito Mukhopadhyay: Se consegues controlar a humilhação, controlas a tua vida.

 

Diana Niepce: Isso demonstra muita sabedoria. Além disso, estabeleces uma ligação tão forte com as pessoas como com outras coisas da vida, como as árvores ou os objetos. Este tipo de relações e de estabelecer ligações é muito intrigante. Falaste também sobre o cosmos. Gostarias de partilhar a tua opinião sobre este assunto?

 

Tito Mukhopadhyay: Gosto de aprender com as circunstâncias.

 

Diana Niepce: Podes dizer-me como foi crescer com a tua escrita? Tenho a ideia de que a tua escrita é uma parte muito importante da…

 

Tito Mukhopadhyay: Tenho o hábito de criar histórias.

 

Diana Niepce: Escreves todos os dias?

 

Tito Mukhopadhyay: Quase todos os dias.

 

Diana Niepce: Parece que continuas a crescer com as tuas histórias, têm a mesma estética, mas evoluem em caminhos diferentes tornam-se cada vez mais intrigantes…

 

Tito Mukhopadhyay: São como os círculos de crescimento de uma árvore.

 

Diana Niepce: De onde vem a tua estética literária? Há vários momentos de poesia na tua prosa.

 

Tito Mukhopadhyay: Leio histórias e tento manter-te informado.

 

Diana Niepce: Portanto, é uma maneira de te manteres interessado ou ocupado. Como descreverias a tua escrita? A tua inspiração vem do dia a dia?

 

Tito Mukhopadhyay: Escrevo sobre um ponto como uma sombra e faço crescer uma história à volta desse ponto.

 

Diana Niepce: Também tens uma maneira muito especial de te relacionares com as palavras e os sons.

 

Tito Mukhopadhyay: Sim, a história deve soar viva.

 

Diana Niepce: As imagens que crias soam a melodias, parecem música criada a partir de melodias. Tens uma relação especial com padrões de frases, fragmentos, sons repetitivos. Parece que estás a reescrever o mundo da forma como o interpretas.

Há uma imagem muito específica que aprecio muito na obra “Plankton Dreams”: “Eu estava sentado numa nuvem que passava, a balançar as pernas na ponta, porque, por vezes, os meus pés não querem ficar no chão. Eu estava à espera que as minhas asas crescessem. Talvez o resto do meu corpo estivesse sentado num autocarro escolar, como é habitual àquela hora da manhã. Quando estava sentado na nuvem, vi o meu primeiro campo na pradaria: a cabeça do condutor do autocarro”.

É muita engraçada a maneira como encontraste o teu objetivo ou como a ação tem início, porque vem de uma imagem muito poética que repetes várias vezes. Podes dizer-me como dás vida a estas imagens? São muito apelativa. Quando escrevo sobre a minha experiência, não tenho de esforçar-me muito. É de uma grande sabedoria, também mostra a maneira como abordas a perceção.

 

Tito Mukhopadhyay: Sim.

 

Diana Niepce: Muitas vezes através de metáforas. Podes falar sobre esta questão? Porque mostram a tua perceção do mundo, é uma maneira muito especial de mostrares a tua experiência, as imagens que crias são bastante metafóricas.

 

Tito Mukhopadhyay: Quando afirmo que a sombra é uma ilha… num mar poeirento.

 

Diana Niepce: Li a tua entrevista com Ralph, o teu professor. Ele trabalhou bastante contigo. Nesta entrevista, explicas que seguiste algumas regras. Há algumas instruções criativas que costumas seguir. Gostarias de partilhar essa informação? Não sei se são as mesmas. São muito interessantes.

 

Tito Mukhopadhyay: Continuo a ser orientado pelo professor.

 

Diana Niepce: Continuas a seguir estas regras para o processo criativo, por exemplo, nestas instruções. Afirmaste o seguinte: “Quando escrevo, escolho um público leitor, à semelhança de qualquer orador e depois tento transmitir-lhes algo novo para que possam compreender o que estou a dizer. Faço os possíveis para que o público não fique entediado”. Isto é muito divertido.

 

Tito Mukhopadhyay: Tento ter em conta os meus leitores.

 

Diana Niepce: Isso revela muito respeito pelo público. Fizeste outra entrevista com o Dr. Beaclan Diana Niepce: e afirmas que és um "lixo inteligente". Posso ler uma versão abreviada desta entrevista?

 

Tito Mukhopadhyay: Sim.

 

Diana Niepce: “Afirmaste que és lixo inteligente, que não foste modelado de uma forma típica. Existem benefícios através da tua experiência no mundo, por exemplo, em termos de criatividade, no que respeita ao teu fascínio pelas cores, sons ou imagens?”

Respondeste: “A minha inteligência é tão útil para mim e para ti como a cor do céu. O que interessa se fosse verde e não azul? Terias pensado duas vezes? É um facto que o céu é azul. Isso é uma verdade absoluta. Qual é a utilidade do céu ser azul? Quem pode explicar isso melhor do que eu? O céu azul rodeia a Terra, envolve os rios, lagos, mares salgados, minerais e o pó. Podia ter o mesmo efeito se fosse verde. A minha inteligência envolve o meu corpo, composto por órgãos vitais, como o coração, o fígado e os pulmões. De que serve a minha mente, que pode pensar para além do azul, desse azul suave, que uma vez viu nos olhos de Emma e que, no entanto, não podia dizer nada sobre o que tinha visto? Para que serve a minha mente se perdi a oportunidade de falar num debate que estava a decorrer? Não pude dar a minha opinião. De que serve a inteligência quando ouvi os disparates dos especialistas em autismo e, no entanto, a única coisa que consegui fazer foi aplaudir, que é considerada uma das minhas características? E de que serve a minha inteligência quando ouço dizer que sou um daqueles sábios idiotas que não consegue expressar-se? É por isso que mudei o meu nome para “lixo inteligente”. Tal como o azul do céu, azul ou verde, poderia ter sido não há nada a responder e o artista que o coloriu de azul podia tê-lo feito verde ou outra coisa qualquer. A intenção poderia ter sido a mesma, independentemente da cor que tivesse”.

Gostarias de dizer alguma coisa sobre isto?

 

Tito Mukhopadhyay: São profissionais que fazem com que seja válido ser autista.

 

Diana Niepce: Sim, mas és muito gentil na maneira como reages a estas intrusões violentas na tua vida. És muito amável nesse aspeto, porque o conceito médico pode ser muito invasivo e como as pessoas interpretam e tratam quem é diferente. Falaste sobre o conceito de “autismo”, um termo vago. É referido num ensaio sobre as novas geopolíticas.

O professor afirma o seguinte: “A relação com o mundo é uma sensação de envolvência, viva e anti-hierárquica. Ele ouve o céu e ouve-os a conversar entre si numa linguagem de azul e castanho. Vê as flores de jasmim humedecidas pelo orvalho da manhã. Vai refrescar com a luz solar, com o intuito de criar uma história com as suas pétalas de jasmim, as paredes do quarto contam-lhe as suas histórias na linguagem da parede”. Eu estava a tentar perceber qual é a tua opinião sobre este conceito de autismo… A comunicar… A comunicar…

Neste artigo, o Dr. Ralph também diz que lhe respondeste quando ele soube que eras autista. “Comecei a agrupar as coisas. Fiz uma lista de situações que provavam que eles eram autistas. As cortinas que se moviam com o vento, as folhas grandes e pequenas que se movem com o vento devido à sua posição suspensa. Os pequenos pedaços de papel, ou as páginas de um livro aberto debaixo de uma ventoinha, foram classificados como autismo. Estavam afetados de autismo, porque batiam as asas, porque não respondiam a nenhum bloco, porque não falavam e sabia que não eram capazes de imitar o psicólogo clínico.

Perguntei-me como seria o aspeto da psicóloga clínica se imitasse as folhas num ramo, se as folhas quisessem saber sobre a condição dela”. Pensei: “Isto é muito político”. Portanto, é aqui que pode surgir o aspeto político, o conceito de que qualquer acção pode ser autista se não comunicar de acordo com os padrões estabelecidos. É uma questão muito interessante. Queres fazer uma pausa? Estamos prestes a terminar a entrevista.

 

Tito Mukhopadhyay: De repente, lembrei-me de dizer uma coisa. Não é importante.

 

Diana Niepce: Não há problema. O conceito que criaste sobre a ideia do autismo, deste mundo extravagante do autismo, seria algo que poderia vir de ti. Teremos todo o interesse em ler sobre o assunto. Eu gostaria muito de ler sobre o assunto. Gostarias de dizer mais alguma coisa sobre este conceito?

 

Diana Niepce: Gostaria de ler uma breve passagem da obra “Plankton Dreams”. Há um capítulo que se chama “Dispensado de qualquer obrigação”. Eu não tinha qualquer obrigação de retribuir o olhar dos outros. Podia olhar para onde quisesse porque era um Tito. Os Titos olham para objectos, não para as pessoas. Eu podia olhar para o tecto e desejar que fosse transparente ou mesmo um espelho; podia olhar para as paredes e esperar que portas mágicas se abram e me levem aos tesouros escondidos do Ali Babá; podia olhar para o chão e imaginar que estava cheio de lápis espalhados: vermelhos, azuis, amarelos, de todas as cores imagináveis, a rolarem e a bater uns nos outros. Eu estaria a rir-me com as suas tolices numa linguagem privada de lápis, transcrevendo isso para as páginas horrorizadas das fichas de trabalho". A tua escrita e a maneira como interpretas o olhar… “Interessante” não é o termo mais adequado, a tua obra é fascinante. A tua obra faz-nos pensar e contemplar o olhar e o conceito de olhar de maneira diferente, no que respeita à deficiência e aos estudos sobre a deficiência. Rosalia Carlan Thompson fala muito sobre este assunto. Tens uma perspetiva única, inflexível. Isso é muito interessante. Tito, gostarias de dizer alguma coisa sobre o assunto?

 

Tito Mukhopadhyay: Tenho a liberdade de olhar para onde quiser porque não tenho de seguir nenhum olhar social.

 

Diana Niepce: Não digas isso. Obrigada, Soma, pela tua presença.

 

Soma Mukhopadhyay: Muito obrigada.

 

Diana Niepce: Para concluir, gostaria de ler o que o teu professor Rolf escreveu. Disse: "Se Oliver Sacks consegue escrever quase exclusivamente sobre todos os casos neurológicos e ser considerado um especialista nos ensaios, isso significa que Tito também deve ser considerado. Temos de deixar de ser paternalistas ou de desprezar os artistas com deficiência. Sinto-me muito honrada por ter conversado convosco, espero que um dia nos encontremos pessoalmente.

Aproveito também para reconhecer o trabalho da Soma e agradecer-lhe por ter estado aqui connosco, foi um prazer. Gostarias de dizer alguma coisa para terminarmos a nossa conversa?

 

Tito Mukhopadhyay: Acho que foi divertido para os dois. Obrigado.

 

Diana Niepce: Recomendo vivamente a todos que comprem os livros do Tito, são óptimos. Só tenho o livro “Plankton Dreams”, é este. Chamo-me Diana Niepce, esqueci-me de referir no início. Estivemos a conversar com Tito Mukhopadhyay.  Provavelmente pronunciei mal o teu nome. Muito obrigada, será uma honra receber-te ou conhecer-te na Segunda-feira.

- Resume
FICHA TÉCNICA

FOTOGRAFIA
Renato Cruz Santos, Vera Marmelo

VÍDEO
Joana Linda

EDIÇÃO
Carolina Luz

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Catarina Medina

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