Em homenagem à vida e obra de João Queiroz, recentemente falecido, a Coleção da Caixa Geral de Depósitos destaca a pintura Sem título (2020). O trabalho que o artista desenvolveu ao longo de quatro décadas está profundamente enraizado na tradição da paisagem, mas dela não se torna refém. A sua abordagem pictórica revela uma constante procura por novas formas de expressão, onde o pensamento e o envolvimento com a história da pintura e com os desafios da arte contemporânea se afirmam num percurso singular na cena artística portuguesa – que, com a sua partida, perdeu uma das suas figuras mais notáveis e queridas.

João Queiroz percorreu sistematicamente — e de forma quase compulsiva — as possibilidades da paisagem, não como modelo ou experiência do lugar, mas sobretudo como forma de questionar a relação entre a pintura, o pintor, o observador, a natureza e o mundo. Através da desconstrução de composições clássicas, da relação figura-fundo, dos contrastes e afinidades cromáticas, entre outros elementos pictóricos, Queiroz manteve uma inquietação constante. A sua pintura revela um profundo respeito e admiração pela realidade que o rodeia, mas também momentos de desilusão e desencanto. Neste sentido, a pintura é, nas palavras de Delfim Sardo, “um exercício permanente sobre as condições de procedimento da própria pintura, sobre a sua prática e a ligação da imagem pictórica com o mundo visível e a fenomenologia da visão, mas também uma reflexão corporizada sobre o corpo que pinta.” A obra Sem título (2020) revela a persistência dessas preocupações. Através da experimentação de materiais pictóricos, o artista constrói uma representação sensorial, não descritiva. Trata-se de um lugar anónimo, de cores frias e pinceladas largas que agarram o espaço tridimensional, criando um ambiente atípico onde o observador se pode perder. Contudo, o que verdadeiramente interessa ao pintor são os gestos: “Há gestos que tinham de ser e outros que podiam não ser… Por isso estou atento a como o meu corpo aprende os gestos” — João Queiroz.

Nas palavras de Bruno Marchand, aquando da mostra Fantasma Gaiata: A Coleção da Caixa Geral de Depósitos (Culturgest Lisboa, 2023) sobre um conjunto de pinturas na qual se incluía a agora destacada: “As pinturas de João Queiroz são como relatos de uma deambulação na natureza. Não pretendem retratá-la nem imaginá-la, apenas deixar um relato visual dos eventos sentidos ao longo de uma perambulação: esta pedra no caminho, aquele galho esguio, um arbusto escarlate, uma dada atmosfera.”

Licenciado em Filosofia pela Universidade de Lisboa (1984), João Queiroz começou a expor ainda durante o seu percurso académico. Influenciado pelas ideias e pela teoria, desenvolveu também uma reflexão profunda sobre o gesto pictórico e a prática artística. Movido por uma curiosidade constante e por uma generosidade na transmissão do conhecimento, exerceu o cargo de professor de Desenho, Pintura e Teoria da Arte no Ar.Co – Centro de Arte e Comunicação Visual, em Lisboa, entre 1989 e 2002, sensibilizando e influenciando várias gerações de artistas – que dele guardarão muitas memórias e uma vasta gratidão. Ao longo da sua carreira, foi distinguido com o Prémio EDP de Desenho (2000) e com o Prémio AICA/MC/Millennium (2011). Em 2010, fez parte da exposição Professores, com curadoria de Isabel Carlos, no Centro de Arte Moderna, da Fundação Calouste Gulbenkian e, em 2010 a Culturgest organizou a exposição antológica Silvae, com curadoria de Miguel Wandschneider, consolidando o reconhecimento da sua obra no panorama artístico nacional.

Hugo Dinis

JOÃO QUEIROZ
Sem título
2020
Óleo sobre poliestireno extrudido
58 x 62 cm
Inv. 574149
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