No âmbito de empréstimo da obra Por que razão se toma por um barco? (1986) de Ana Jotta destaca-se esta pintura pertencente à Coleção da Caixa Geral de Depósitos (CGD), que integra a exposição Meia Sombra: a partir da Coleção da CGD, em exibição no Museu do Caramulo, entre 12 de abril e 22 de junho 2025. Esta exposição faz parte do ciclo Desconcentrar, uma iniciativa que reúne atividades centradas na criação e produção artística em territórios de baixa densidade populacional, tais como: Caramulo, Idanha-a-Nova, Abrantes e Guarda. Nesta primeira etapa, a curadora Sara Castelo Branco escolheu as artistas Joana da Conceição, Maria Paz Aires e Teresa Arêde para, em residência artística, realizarem obras para a ocasião.

Utilizando livremente as disciplinas de desenho, pintura e escultura, mas também bordados e objetos do quotidiano (ready-made), a destreza técnica e o virtuosismo pictórico da artista revela-se nas pequenas telas que tem pintado ao longo da sua carreira desde os finais da década de 60.  Se num primeiro momento o seu trabalho foi tocado por influências dadaístas e conceptuais, as suas obras seguiram para uma linguagem de ironia muito próprias. Ancorada numa lógica surrealista a pintura Por que razão se toma por um barco? reflete sobre uma possível narrativa. Sob um céu em tons de cinzento, azul e rosa, três elementos povoam a composição. À direita, a silhueta de um cão castanho e, à esquerda, uma mão que faz um gesto ilusionista que sugere a cabeça do animal a ladrar. Este jogo de sombras, entre o real e a ilusão, é pontuado por um pequeno ramo de oliveira isolado no centro da pintura.

No contexto da exposição Meia Sombra, a pintura traz outros “imaginários insondáveis da terra” (Sara Castelo Branco). Inserida na sala da pintura europeia da coleção permanente do Museu do Caramulo, a pintura realça o mistério inerente da à natureza e o seu poder curativo e enunciativo. A simulação entre a imagem e a sua reprodução – neste caso, entre a pintura do cão e o gesto da mão que o replica – pode revelar o cinismo entre a relação recíproca entre homem e natureza, onde o poder do primeiro domina a segunda, mas também acontece o seu contrário: o poder exuberante e avassalador da natureza subjuga as fragilidades e inseguranças humanas.  

Ana Jotta nasceu em 1946, em Lisboa, cidade onde vive e trabalha. Estudou na Escola Superior de  Belas-Artes de Lisboa e, posteriormente, na École Nationale Supérieure des Arts Visuels de La Cambre, em Bruxelas. Em 2013 é-lhe atribuído o Grande Prémio EDP/Arte. Em 2005, o Museu Serralves organiza a exposição retrospetiva Rua Ana Jotta, com curadoria de João Fernandes.  Em 2014, a Culturgest realiza a exposição antológica A Conclusão da Precedente com curadoria de Miguel Wandschneider.

Hugo Dinis

ANA JOTTA
Por que razão se toma por um barco?
1986
Óleo sobre tela
69,7 x 99,8 cm
Inv. 276022
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