A obra da Coleção da Caixa Geral de Depósitos Sem título (1967), do artista Noronha da Costa (1942-2020, Lisboa), recentemente falecido, será emprestada ao Museu do Santuário de Fátima, para estar presente na exposição intitulada Fisionomias de uma paisagem espiritual, a partir de 28 de novembro de 2020. 

As premissas, que norteiam o trabalho que o artista desenvolveu ao longo da sua carreira, foram desde cedo reveladas no texto escrito pelo próprio, publicado no catálogo da exposição na Galeria Buchholz, em dezembro de 1967, onde a obra é apresentada pela primeira vez: «O objecto pode ser simplesmente percebido ou ser dado como imagem. No primeiro caso, o espaço pode ser explorado. No segundo caso, temos um espaço contínuo em si mesmo, espaço da imagem, localizável em relação ao espaço da percepção: segue assim o “não-espaço”.» E mais adiante acrescenta: «A simultaneidade das ultrapassagens do mundo em realidade e da realidade em mundo verifica-se no lugar geométrico físico que é o ecran. Este por sua vez, embora presente fisicamente, ultrapassa-se a si próprio de realidade em mundo: em “não-espaço” realizado fisicamente.»

Trata-se de uma obra que, através de um dispositivo composto por uma caveira e uma esfera separadas por um vidro espelhado e instaladas sobre o mesmo tampo de cor azul, demonstra eficazmente as duas preocupações anteriormente referidas: “ecran” e “não-espaço”. Ao entender-se que o ecrã-espelho torna a realidade mutável, através das características reflexivas e transparentes do seu material, a transformação entre a esfera e a caveira, e vice-versa, revela um mundo que não reside nos objetos em si mesmos, mas sim na distância, ou “não-espaço”, entre a imagem percebida e a imagem que é dada ao espectador. O tema clássico da vanitas vai-se esfumando e desvelando em abstração geométrica. É neste um misterioso jogo mágico, apenas percebível quando se circula em redor da obra, em que a morte se faz mundo e o mundo se faz morte.

Recentemente a obra foi mostrada na importante exposição antológica Noronha da Costa Revisitado 1965-1983, organizada em 2003 por Nuno Faria e Miguel Wandschneider, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Desde a sua aquisição em 2006, diretamente ao artista, a obra foi apresentada em diversas mostras organizadas pela Culturgest, nomeadamente: Caminos: Arte contemporáneo português (2006); Zona Letal, Espaço Vital (2011-2012); Sentido em Deriva (2013); Palácio de Espanto e Casa de Espanto (2016); e Simultânea (2017). A obra esteve também presente na exposição Do Outro Lado do Espelho (2017), no Museu Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

 

Hugo Dinis

Noronha da Costa
Sem Título
1967
Madeira, vidro pintado a têmpera vinílica, vidro espelhado e crânio de plástico
145 x 75 x 150 cm
Inv. 602170
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