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As coisas fundadas no silêncio

As coisas fundadas no silêncio

As coisas fundadas no silêncio

COMUNICADO
Como é sabido, o escritor Luis Sepúlveda foi recentemente diagnosticado com o coronavírus depois da sua passagem pelo festival Correntes d'Escritas. Embora não tendo tido contacto com Sepúlveda, e tendo passado 12 dias em perfeita saúde, sem quaisquer sintomas, o escritor Gonçalo M. Tavares, que também esteve presente no festival, decidiu ser melhor optar, como medida de precaução e de responsabilidade pessoal, não estar presente na conferência de amanhã. Pelo facto, pedimos as nossas desculpas.

Em 2011, a Organização Mundial de Saúde qualificou a poluição sonora como uma “praga moderna”, concluindo que “há provas contundentes de que a exposição ao ruído ambiental tem efeitos adversos sobre a saúde da população”.

O silêncio não é um luxo, mas sim crucial à saúde física e mental. Criatividade, concentração, contemplação – tudo exige silêncio. Por outro lado, não se pode celebrar o silêncio acriticamente. Ser silenciado é o que acontece às vítimas de abuso. Além disso, o que é considerado ruído mau é muitas vezes controverso.

Durante dois dias, escritores e artistas juntam-se a arquitetos, astrofísicos e filósofos para uma conversa sobre a importância do silêncio. Estas conferências fazem parte de um programa mais vasto, apresentado de 3 de março a 31 de maio em vários locais, em Lisboa.

MAR 3 TER

16:00

INÊS GIL (Cinema)
EMÍLIA TAVARES (Curadoria)
RAQUEL CASTRO (Realização, Programação Cultural)
Moderação: Joana Braga

18:30

CARLOS ALBERTO AUGUSTO (Design Sonoro) 
GONÇALO M. TAVARES (Literatura)
RUBEN GONÇALVES (Astrofísica)
Moderação: Marta Lança

MAR 4 QUA

16:00

ALEXANDRE PIERONI CALADO (Teatro)
VÂNIA ROVISCO (Dança)
LUCINDA CORREIA (Arquitetura)
Moderação: Ana Bigotte Vieira

18:30

JOANA GAMA (Música)
LUÍS CLÁUDIO RIBEIRO (Epistemologia do Som)
PAULO BORGES (Filosofia da Religião)
Moderação: Maria João Guardão


Saiba mais sobre o programa

03 MAR 2020
TER 16:00–18:00, 18:30–20:30

04 MAR 2020
QUA 16:00–18:00, 18:30–20:30

Pequeno Auditório e Live streaming
Entrada gratuita*
Duração 2h

* Entrada gratuita, sujeita à lotação e mediante levantamento de bilhete no próprio dia a partir das 15:30

Sessão com interpretação em Língua Gestual Portuguesa 3 MAR, TER 18:30

Os utilizadores do serviço poderão informar a bilheteira no ato de compra ou através do e-mail culturgest.bilheteira@cgd.pt

Sinopses As Coisas Fundadas no Silêncio

Emília Tavares

A Afasia da Visão

A figuração do silêncio tem na iconografia da Idade Média uma das suas mais fascinantes interpretações. Partindo deste enunciado, será feita uma interpretação de algumas imagens fotográficas do século XIX, colocando em análise a sua capacidade paradoxal de figuração da presença e da ausência, de discurso e de silêncio. 

Ruben Gonçalves

O silêncio dos astros

O Universo é silencioso. É dominado pela ausência de matéria, pelo vazio. A matéria que somos é uma minoria espalhada num vasto campo de energia escura, invisível e silenciosa. No espaço o som não viaja, não se propaga. No entanto, as estrelas, para além de luz, também produzem som. O paralelismo entre luz e som é inevitável: ondas, propagação, perceção humana, poluição luminosa/sonora. Do big-bang aos nossos corpos, vamos ouvir as estrelas e olhar para os limites dos nossos sentidos.

Luís Cláudio Ribeiro

O silêncio, o corpo e a presença

O silêncio, tal como o som, é do domínio das afeções, logo individual, que se re-forma na sensibilidade com que escutamos. Unido aos verbos «escutar» e «ouvir» podemos pensá-lo sobre dois eixos: como uma tensão individual do interior para o exterior (é então uma pulsão para o silêncio), ou uma tensão do exterior para o interior, e temos assim as massas sonoras do mundo a interferirem na nossa vida, fundando-se em escolhas individuais na escala sonora.
Estes silêncios ou tipos de silêncio são distintos, quer na sua origem, quer nos efeitos. São de uma ontologia distinta, cruzando-se apenas quando a necessidade impera. A necessidade que parte sempre de um desejo instalado numa determinada situação. Temos a necessidade como «um estado interno de insatisfação causado pela falta de algum bem necessário ao bem-estar». Claro que este bem-estar é também determinado pelo desejo aí, provindo do exterior ou do interior.
Há falta de silêncio no mundo? Na evolução humana parece-nos que o que falta é ainda um problema de adaptação a uma vida que acelera tecnologicamente no tempo em que, periodicamente, vigiamos o passado. Não se fala aqui de um ruído que põe em causa a saúde auditiva e a própria vida. Também o silêncio desejado é, por vezes, causa da quebra de saúde e da própria vida: o fecho sobre o círculo do corpo é o princípio de muitas doenças. O silêncio é, por isso, uma necessidade secundária que tem um «caráter diretivo». Se por um lado a necessidade determina o objeto, ele determina também o movimento para si. O movimento é sempre essa deslocação para o objeto, para o silêncio.

Carlos Alberto Augusto

Por uma teoria do silêncio

Silêncio é um destes conceitos que entraram no vocabulário corrente de forma intempestiva, certamente pouco refletida, ao qual se atribui significados, por vezes, dificilmente compreensíveis. Por outro lado, som e silêncio foram, a pouco e pouco, transformados em realidades opostas, tendo-lhes sido igualmente atribuídas qualidades, para além das características físicas que possuem, que camuflam o seu verdadeiro papel. O órgão auditivo dos mamíferos serve um propósito muito concreto: detetar as vibrações de moléculas de um fluído (geralmente o ar), produzidas dentro de determinados limites e em determinadas condições, e transmitir o resultado dessa operação ao cérebro, onde o processo ganha uma outra dimensão. O órgão auditivo é o produto de um processo evolutivo longo e complexo. Este órgão permite extrair informação única sobre o ambiente, que teve e tem um papel crucial na sobrevivência das espécies. No caso do Homo Sapiens Sapiens, este processo está intimamente ligado a um outro, paralelo, que conduziu ao desenvolvimento da linguagem. O passo seguinte ao da transdução mecânico-elétrica efetuada pelo ouvido, é o da tomada de consciência pelos diversos centros do cérebro da natureza desses sinais, a partir do processo físico, o que deu às espécies que possuem esta capacidade, uma clara vantagem filogenética. O órgão auditivo surgiu para extrair informação útil do ambiente. Para detetar som, não a sua ausência. O ouvido não evoluiu para registar não-som. Som e silêncio não são realidades opostas, mas elementos de uma mesma cadeia de comunicação. À volta desta ideia de não-som e da evolução de uma noção de silêncio como realidade absoluta, cresceu, ao longo da história, um número de interpretações mais ou menos equivocadas, que promovem ou conduzem a erros de análise, alimentam apreciações estéreis e têm contribuído para um ambiente sonoro doente, um primeiro sinal, geralmente ignorado, de uma crise ambiental mais profunda. Tudo isto conduz à necessidade de clarificação do tema. A uma teoria do silêncio.

Paulo Borges

Experienciar o silêncio

O silêncio só tardiamente adquiriu o sentido de “ausência de som”, pois a etimologia, do latino “silere” e do proto indo-europeu “seyl-“, indica a quietude e a imobilidade. Nesta comunicação exploram-se os vários sentidos da experiência do silêncio, desde o silêncio primordial inerente à quietude do omni-abrangente espaço aberto onde surgem, se transformam e dissipam todas as experiências da consciência e do mundo, até ao silêncio mental, verbal, corporal e inter-corporal que permite o florescimento do pensamento, da palavra e da vida. Visa-se não apenas discursar sobre o silêncio, e assim re-velá-lo, mas também convidar a senti-lo. Na verdade há um silêncio sensível, saturado de energia, no qual estamos constantemente mergulhados e que por isso desatendemos. Reconhecê-lo e nele repousar como o comum fundo sem fundo de si e do mundo, liberta de todos os aparentes limites da experiência. Repousar no silêncio tanto liberta da palavra quanto dá voz ao inédito e ao silenciado, regenerando a vida na pujança de todos os possíveis. 

Gonçalo M. Tavares

O que está debaixo do que se escreve? (a partir do livro "Atlas do corpo e da Imaginação" de Gonçalo M. Tavares e os Espacialistas).

Toda a escrita é um código, passa uma mensagem secreta, escondida. Passa uma mensagem oposta ou pelo menos bem diferente da mensagem aparente. Escrita para comunicar com o amigo, não com o inimigo. Como um código. O inimigo não percebe, só lê o que está visível e explícito. Não entende o código, não sabe a tradução. O que eu não entendo é silêncio para mim. O discurso da sombra das palavras, do negativo das palavras. A sombra que as palavras fazem no chão ou na folha. Pensar no espaço vazio entre palavras, duas palavras não são duas palavras, são duas palavras e o espaço vazio entre elas. Três coisas.

Raquel Castro

O silêncio como uma vírgula

A palavra silêncio remete para a ideia de ausência de som, uma impossibilidade física a partir do momento em que existe vida. O silêncio está para lá de tudo o que pode ser dito, no limite do entendimento humano e é um conceito sem realização. Não há, naturalmente, nenhum verdadeiro silêncio, uma vez que quando os níveis de som externos diminuem muito, nós ouvimos os nossos próprios corpos em maior detalhe.
Na nossa cultura, muitas vezes o silêncio é concebido por sinestesia: o silêncio é de ouro, diz o ditado, como se o silêncio não fosse também a antecipação do pensamento que emerge, da voz que lhe sucede.
Há uma relevância que se pode dizer ética no silêncio, mas tal só poderá ser entendido se o analisarmos a partir de diferentes lentes numa aproximação interdisciplinar. Som e silêncio são também práticas sociais. Som é movimento, silêncio é imobilidade. 
No silêncio o ouvinte torna-se audível para si próprio. O silêncio é um convite à escuta.
É o princípio da comunicação. Não é a ausência, é o princípio de tudo.

Inês Gil

Fotogenia do Silêncio

O silêncio visual sempre existiu no cinema. Ele estende-se para além da imagem, do som e do movimento para exprimir um mundo interior ao objeto fílmico. Iremos ver como é possível falar de “fotogenia do silêncio”, tanto em obras contemporâneas, como no período do cinema mudo, a partir das propostas teóricas de Jean Epstein e Louis Delluc.

JOANA GAMA

Música quase silêncio

Por mais que, à partida, possa parecer um paradoxo, a ideia de silêncio está presente na obra de vários compositores. O silêncio não como ausência de som mas como veículo para uma possibilidade diferente consoante o autor.  No meu percurso enquanto pianista, fui-me aproximando do repertório que aborda o conceito de música quase silêncio e é sobre esse caminho que falarei nesta conferência ancorada em cinco obras de cinco compositores que me têm acompanhado nos últimos anos: Erik Satie, John Cage, Federico Mompou, Morton Feldman e Amílcar Vasques-Dias.

Lucinda Correia

As Formas do Silêncio

Entre a arquitetura e o silêncio pode estabelecer-se uma relação que é sempre mediada pela experiência do mundo. De facto, de um modo geral, a mundanidade serve-se do caráter silencioso da arquitetura para qualificar o espaço humano. É que, mesmo sem o saber, a arquitetura pratica um “jogo acústico” entre que é humano e o que o não é. Não poderemos afinal considerar que, na contemporaneidade, o silêncio foi expulso de quase todos os lugares, obrigando o nosso ser a refugiar-se nos “enclaves de silêncio” circunscritos pela arte?

Alexandre Pieroni Calado

“My gracious silence, hail!”

Em A Tragédia de Coriolano encontramos uma das únicas três indicações cénicas que determinam um silêncio em palco deixadas por William Shakespeare. Mas não apenas por isso, nesta ruidosa peça, com triunfos e cortejos, tumultos e chusmas, discursos, gritos e vozes duras afastadas do veludo da poesia, o silêncio joga um papel crucial. Voltar ao que nela se diz e está inscrito pode ser um ponto de partida para nos acercarmos da contemporânea desigualdade na distribuição e no uso do silêncio.

Vânia Rovisco

O silêncio como acontecimento

Na prática da performance, o silêncio pode ser entendido como um lugar de abertura a algo (des)conhecido, que se interpõe no percurso de alguém. A mente pousa, o tempo estende-se e, quase como quem sofreu um acidente automóvel, o tempo dilata e os detalhes são claramente vistos. Quão mais denso o silêncio, mais escrutínio nos detalhes. O silêncio adquire densidade e atravessa um túnel em velocidade quando se regressa ao plano sonoro, como nos filmes ou na banda desenhada. Um pouco como a luz que não teria nada onde refletir se não existissem objetos. É o silêncio que permite escutar o funcionamento de um órgão. Aquele silêncio que deixa experienciar a densidade de uma situação, o prolongamento de um encontro, o silêncio que alastra o tempo quando se tem um acidente. O silêncio que nos move em coletivo enquanto se assiste a uma performance. A espessura desse silêncio que, apesar da perceção propagada, acontece em tempo efémero. Na conferência, Vânia Rovisco irá refletir acerca do papel do momento de silêncio enquanto acontecimento e, assim, como uma ferramenta na Performance e no corpo em prática.

Cofinanciado pelo programa Europa Criativa da União Europeia no âmbito do projeto ACT – Art, Climate, Transition

ACT Art Climate Transition

DIREÇÃO ARTÍSTICA

Marta Rema

ORGANIZAÇÃO

eFABULA

 

Projeto financiado pela República Portuguesa — Cultura / Direção-Geral das Artes

Cofinanciado pelo programa Europa Criativa da União Europeia, no âmbito do projeto ACT — Art, Climate, Transition

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